HAVIA DIACONISAS NA IGREJA PRIMITIVA?

Por Marco Sousa


No mundo greco-romano em que a igreja primitiva estava florescendo as mulheres cristãs gozavam de maior liberdade do que aquela que as outras servas de Deus possuíam no mundo judaico-cristão produzido em Jerusalém e em Antioquia. Somado a isto havia uma clara ordenança dos apóstolos, quanto ao que seria exigido ou não dos gentios, não lhes imputando Deus o modo de vida judaico (Atos 15:19-20). Esta é talvez a primeira demonstração bíblica clara de que o evangelho é transcultural. 

Estas diferenças culturais do mundo greco-romano permitiu que muitas mulheres trabalhassem na obra de Deus como verdadeiras proclamadoras do reino de Deus, sem causar escândalo algum na sociedade de sua época. Como Priscila que juntamente com seu esposo Áquila após ouvirem a pregação de Apolo em Éfeso, retiraram o pregador de sua rota original para ensiná-lo com pontualidade o caminho de Cristo e ainda escreveram uma carta, recomendando que a igreja o aceitasse. Se Priscila estivesse nos limites da igreja judaico-cristã em Israel ela correria o risco de ser censurada asperamente pelos fariseus-cristãos que queriam que os cristãos-gentios guardassem a circuncisão e outros princípios mosaicos (mas ela estava na Ásia). Se ela pertencesse a certas igrejas da atualidade seria (no mínimo) "dedurada" ao pastor e seria "colocada no banco", por ter interferido na carreira de um obreiro e isto segundo as "institutas religiosas da atualidade" não seria da alçada dela.      

Se para um cristão judeu do tempo de Paulo era algo indecente ver uma mulher pregando, em Roma ou na Grécia não havia este tipo de restrição social. Dâmaris se converteu no areópago - uma especie de tribunal superior de Atenas, onde se discutiam as questões políticas, religiosas e os princípios morais e filosóficos - (Atos 17:34) - Se o areópago fosse em Israel e se fosse comandado pelos fariseus, as mulheres esperariam no pátio do lado de fora, seguindo à risca os princípios mosaicos. Outro exemplo, para ficarmos somente na Bíblia Sagrada, é o de Lídia, uma vendedora de púrpura da cidade de Tiatira (Atos 16:14), que se converteu ao evangelho na cidade distante de Filipos, através da pregação de Paulo. A narrativa bíblica nos leva a crer que Lídia era uma mulher de muito sucesso na vida profissional, acostumada a fazer transações comerciais na rota européia da púrpura daquele tempo (►Vide mapa). Seria absolutamente difícil encontrar uma mulher com esta liberdade dentro dos limites judaicos da igreja primitiva, mas do lado gentílico, pelo contrário, isto era possível e acontecia todos os dias, em cada discurso público de Paulo (Atos 17:4 e Atos 17:12).

Agora passemos à questão proposta pelo leitor. Seria muita ingenuidade da parte de um servo fiel do Senhor vivendo nesta era da informação digital, das grandes descobertas arqueológicas, das grandes bibliotecas com documentos históricos disponíveis em apenas um clique, os quais lançam luzes sobre o entendimento da escritura, pensar que Trifena, Trifosa e a “amada Pérside” (citadas em Romanos 16:12) eram apenas “servidoras de salgadinhos” para encher a barriga da igreja. A apresentação destas mulheres (servas de Deus) feita por Paulo na carta aos romanos foi diferenciada.

Por quais motivos Paulo (um homem culto e conservador dos princípios judaico-cristãos) cita primeiro o nome de Priscila ao invés de citar Áquila? (Romanos 16:3). Certamente Paulo reconhecia o nível de fidelidade daquela serva de Deus e a qualidade de seus serviços prestados ao evangelho. O desempenho eclesiástico dela era fora do comum - Não vamos tampar o sol com a peneira.

Outra ingenuidade cometida por muitos é pensar que a querida e conhecida irmã Febe da igreja de Cencréia (uma cidade a 7 Km de Corinto e muito distante de Roma) seria uma serviçal do tipo camareira de hospedagem. Paulo recomenda Febe aos irmãos da distante cidade de Roma, para que aquela serva de Deus fosse recebida “do mesmo modo que os santos eram recebidos” (Romanos 16:1-2). Note pelo mapa que o trajeto da viagem de Febe foi maior que o trajeto da primeira viagem missionária de Paulo, mesmo assim, ainda há crentes pensando que talvez ela viajou toda esta distância, apenas para conhecer a igreja de Roma e para mostrar que o tempero do almoço que era servido em Cencreia era melhor do que aquele consumido pelos romanos (►Vide mapa). 

A coisa melhora um pouquinho, quando pegamos a palavra “SERVIR” usada por Paulo no texto bíblico e descobrimos que temos ali uma especie de “diaconisa” no sentido original do texto grego. (Vide Bíblia Thompson - Referência 1446). O caro leitor já está assustado? (Então espere mais um pouquinho).

Plínio, o moço (governador da Bitínia de 111 a 113 D.C), escrevendo ao imperador romano, perguntou qual deveria ser o seu procedimento (soltura ou condenação à morte) quanto aos cristãos, incluindo duas “diaconisas” que foram presas e torturadas, mas se recusaram a negar o nome de Jesus. É interessante notar que no livro de Apocalipse Jesus reclamou de Jezabel (mulher que se dizia profetisa)reclamou dos seguidores de Balaão e reclamou dos nicolaítas, mas não vemos em instante algum Jesus reclamando de “diaconisas”, "ministras" ou mulheres fiéis em qualquer tipo de ofício eclesiástico que tenham preferido a tortura e a morte em lugar de negar o nome santo do seu Senhor e Salvador Jesus Cristo. (►Confira a carta de Plínio e a resposta do imperador Trajano).

Aquilo que Deus tem para uma instituição cristã é diferente daquilo que Deus tem para a outra. Ele é soberano. Um dos títulos de Deus é “Senhor dos Exércitos” (no plural, mostrando que ele tem muitos arraiais), mas alguns ministros, (para vergonha do evangelho) comportam-se como se somente a denominação deles fosse salva.

Cremos que uma igreja não é obrigada a ter diaconisas, (afinal a bíblia não é totalmente clara quanto a isto) mas cremos que é pecado apontar o dedo (como se fossemos donos absolutos da verdade) e dizer que esta ou aquela denominação não é de Deus porque tem ministério pastoral apascentador feminino (algo que a bíblia não aprova) ou diaconisas (algo que a Bíblia Sagrada deixa margens para pensarmos que existia na igreja primitiva). Cremos que o ministério pastoral referente ao governo de uma igreja local, devido às suas incumbências peculiares e por representar um fardo pesado para o sexo feminino, tenha sido delegado por Cristo exclusivamente aos homens (servos de Deus, machos e do sexo masculino - a redundância é necessária para não deixar brechas para entendimento contrário). Isto não impede que as servas de Deus exerçam outro tipo de "ministério"[*] submisso ao ministério do governo da igreja, todavia afirmar que na falta de homens (machos e servos de Deus) a obra de Deus deve parar é ignorância bíblica e desconhecimento do projeto eterno. Em tempos de crise, Deus levantou uma juíza em Israel no meio de uma sociedade patriarcal e que por costume não admitia este tipo de coisa (Débora - Vide Juízes 5:7).

Parece que Deus sempre levanta mulheres quando os ministros do sexo masculino priorizam mais os caprichos denominacionais do que a grande comissão ordenada por Cristo em Mateus 28:19-20 e Marcos 16:15, ou quando os ministros começam a cometer equívocos religiosos. Neste caso Deus entra em cena e levanta uma mulher simples e humilde com seus instintos maternais e cheia do Espírito Santo para colocar a casa em ordem e quando Deus as levanta, elas costumam fazer melhor do que meia dúzia de homens juntos. Deixarei de crer nisto no dia em que aparecer um ministro do evangelho (apenas um e do sexo masculino obviamente) e ele me disser que sozinho plantou 50 igrejas no meio da floresta amazônica (ou em outro lugar), sem contar com o trabalho voluntário de obreiros e sem contar com o dizimo institucional para isto, eu direi que ele é um verdadeiro apóstolo, mas é bom que ele saiba que uma mulher submissa a Cristo e totalmente dependente de Deus já fez isto. O nome dela é Sophia Miller. (►Leia a história dela aqui).

Cabem aqui três perguntas:
1 - Deus “errou a mão” ao conferir uma jornada cristã abençoada ou um “ministério abençoado[*] (como dizem alguns pentecostais e renovados) a esta nobre mulher que deu a vida pela ordem de Cristo de pregar o evangelho?
2 - O que dizer das muitas mulheres que apareceram (e ainda aparecem) no cenário evangelístico mundial em diversos lugares e em ocasiões especiais e que por meio da pregação da palavra foram instrumentos de Deus para que pecadores arrependidos se ajoelhassem diante de Deus confessando o nome de Jesus Cristo e abandonando a vida pecaminosa?
3 - As arvores ainda são conhecidas pelos seus frutos ou de acordo com os critérios humanos e extrabíblicos?

É bem provável que muitos servos de Deus tenham dificuldades para engolir estas verdades e é por isto que muitas denominações não permitem que mulheres façam pregação pública, diante de homens dentro do templo, para que a mulher “não exerça autoridade sobre o varão”. Quem pensa assim ainda não alcançou o mistério da manifestação gloriosa do Espírito Santo, derramado sobre homens e mulheres que agora são apenas vasos cheios da porção dobrada do alto, para anunciar ao mundo a salvação. Nesta hora Deus não enxerga o sexo dos homens e das mulheres, mas ELE enxerga a igreja, corpo de Cristo, reunida. Isto é muita informação para a mente dos religiosos do nosso tempo. Mas a Bíblia Sagrada lança mais luzes sobre o tema: “Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”- Gálatas 3:28

Cristo disse que “não se pode esconder uma cidade edificada no cume do monte”- Mateus 5:14. Assim homens e mulheres são tomados por ELE para exercerem tarefas a serviço do reino eterno. Enquanto eles trabalham, a glória de Deus vai brilhando refletida na vida deles. Não é crime e não é pecado pregar a palavra de Deus, sendo você homem ou mulher. A bíblia é clara em definir o tipo de gente que estará fora do reino de Deus. Mulheres submissas a Deus, amantes da Bíblia e pregadoras da palavra de Deus não figuram na lista. Sejamos verdadeiros e sinceros diante de Deus e dos homens!


ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO

Quero deixar absolutamente claro aos leitores deste blog que este texto não é e não pretende ser um tratado de defesa irrefragável do "ministério feminino" [*], pelo contrário, na minha vida cristã sempre procurei congregar em instituições que não possuem ministério pastoral (apascentador) feminino, carga bastante pesada para a estrutura de uma mulher. A Bíblia Sagrada nunca autorizou ou legitimou o exercício do ministério apascentador entre as mulheres, porém os líderes eclesiásticos vão além daquilo que a Bíblia Sagrada apresenta e proíbem que as mulheres sejam preletoras em cultos públicos com homens presentes, aplicando uma doutrina de homens. É fato claro e notável que o Deus que outrora se utilizou de uma mula para falar com um profeta louco tem muito poder para levantar mulheres ousadas que preencham as lacunas deixadas por alguns ministros preguiçosos ou amantes do dinheiro e outros chegados ao coronelismo eclesiástico. Deus mete fogo no arraial do jeito que ELE quiser (ELE É SOBERANO). Ao coração contrito e quebrantado Deus não despreza. Quando o Sacerdócio da casa de Eli estava em ruínas, uma mulher chamada Ana pediu ao Senhor um filho, mas disse ao Senhor que o daria como oferta de louvor. Era apenas isto que Deus precisava ouvir para fazer uma coisa nova em Israel. A oração de uma única mulher mudou a história de um povo. Nasceu Samuel.

Existem cargos e funções eclesiásticas em todas as 10 maiores denominações evangélicas brasileiras (senso IBGE 2012) que não se enquadram na hierarquia eclesiástica da igreja primitiva. No novo testamento não há "pastoras", como também não há "reverendo" e também não existem "ungidos", todavia cada servo ou serva fiel do Deus vivo que detêm honrosamente e fielmente estas funções eclesiásticas, proclamando o nome de Cristo e por suas pregações os pecadores se dobram diante do Todo-Poderoso, deveriam "lavar a boca com água e bastante sabão" antes de falar mal das funções eclesiásticas das outras denominações, sabendo que o uso de dois pesos e duas medidas, além de ser feio, não agrada a Deus.

Com base no texto bíblico que legitima minha posição pessoal e cultural (Atos 15:19-20não congrego em templos governados por mulheres (não que eu tenha algo contra elas), mas porque sou gentio e tenho como regra de conduta alguns bons princípios tradicionais e de raízes da família mineira. Segundo estes princípios, tanto a mulher quanto o homem fazem parte de um time chamado família, no qual cada componente da equipe se orgulha de fazer parte do time. Machismo e feminismo não existem neste tipo de cultura. São considerados “coisas do capeta” e desde cedo os filhos são ensinados a descartarem tais paradigmas. Ser "mineiro de raízes" não é pecado, mas seria pecado omitir tudo quanto a Bíblia Sagrada fala a respeito de determinado tema, para legitimar apenas o meu modo de vida e por conseguinte condenar o modo de vida da congregação do meu vizinho! Não sejamos hipócritas!

Que Deus nos abençoe!
Glória ao Pai, Glória ao Filho e Glória ao Espirito Santo!

Glossário: "ministério"[*] ► O uso do termo entre aspas em algumas linhas do texto possui o mesmo sentido daquele utilizado nas igrejas pentecostais clássicas e renovadas pós 1950, significando qualquer tipo de oficio eclesiástico delegado aos membros da igreja como reflexo da sua sua fidelidade ao evangelho.
  
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bíblia de Referencias Thomson - Editora Vida - 1992.
Bíblia Sagrada Almeida Corrigida Fiel - 2011 - Sociedade Bíblica Trinitariana.